A CLAREIRA DOS ESQUECIDOS (Segunda parte) - Henry Evaristo

sexta-feira, 24 de abril de 2009



O terceiro dia deveria ter marcado definitivamente minha saída da propriedade. Mas o horror da noite anterior me deixara em tal estado de nervos que não pude realizar nenhuma outra empresa que não fosse a de passar o tempo todo prostrado à janela de meu quarto, a arma em punho, a perscrutar novamente os bosques.

Afetava-me ainda mais o silencio que dali provinha. Era como uma mortalha horrenda que a tudo envolvia com intangíveis tentáculos pegajosos. Golpes mortais em minha imaginação! Em dado momento podia sentir como se uma presença terrível estivesse a circundar a casa, me espreitando de volta. Depois só o que me assaltava era uma sensação indescritível de vazio; o mais torpe vazio do ser humano, que parecia brotar não só do ambiente ao meu redor, mas de meu próprio coração. Inúmeras vezes beirei o pranto, premido por uma emotividade que não me era conhecida. Mas esta emoção sempre era reprimida por alguma nova impressão de que algo se aproximava através do vento, ou algum outro elemento por mim desconhecido, que se comunicava com meu ser por sentidos que eu não sabia possuir.

O arrastar do segundo dia foi penoso. Não senti necessidade de me alimentar, nem de beber nada durante todo o correr das horas. Por volta das cinco da tarde, devastado por um cansaço avassalador que me causava câimbras pelas pernas, decidi me arrastar à biblioteca. Era um espaço bastante confortável, magnificamente decorado. Ainda não tivera tempo de dispor ali meus próprios livros de forma que o único acervo a ocupar as prateleiras de carvalho eram os volumes da coleção do antigo proprietário junto aos quais depositara minha valise de executivo.

Sir William DeMorney, o antigo detentor da escritura do imóvel falecera em circunstâncias ainda não esclarecidas pelas autoridades policiais. Seu cadáver fora encontrado na estrada de acesso a este lugar. E durante várias semanas grupos de caçadores e agentes da lei vasculharam as florestas em busca do animal que provavelmente causara sua morte!

Depois do ocorrido, não tendo o proprietário deixado herdeiros nem parentes conhecidos, o estado encarregou-se de executar seu espólio. Coube à Smitherson and Brothers imobiliária, com escritório de representação em Zalees, a lida com a venda da casa e do terreno que adquiri.

Apesar do fato de ter sido assegurado de que qualquer animal que pudesse ter sido responsável pela morte de sir William já ter sido afugentado da região pelas intensas buscas empreendidas, resolvi levar comigo minha pistola automática. Considerei, ao acomodá-la num nicho secreto de minha valise, que se as autoridades nada haviam encontrado e, no entanto, restava um cadáver horrendamente mutilado pelas garras de alguma besta selvagem, seria tolice ir até o mesmo sítio sem me precaver de alguma forma.

Cometera o erro, por pura inocência, de adentrar aquelas matas sem ter à mão minha pistola carregada. Não mais cometeria o mesmo despautério com relação às estranhas impressões que agora me acometiam.

Assim, busquei o artefacto dentro de seu esconderijo na biblioteca e passei a mantê-lo sempre à mão. Não sairia de meu imóvel sem questionar, sem lutar contra o que quer que fosse, principalmente em se tratando de apenas impressões. A noite ainda me diria palavras duras antes do amanhecer.

Por volta das dez da noite, sentia-me perturbado. Uma febre parecia estar se apossando de mim lentamente. Minhas pernas e braços se tornavam cada vez mais pesados e tinha ondas de tontura e náuseas que iam a vinham com freqüência cada vez maior.

Fui deitar-me as onze, completamente exausto, e tão logo fui capaz de alcançar algum tipo de relaxamento, me vi incapaz de mover-me novamente. Nem mesmo em meus tempos de serviço militar jamais me sentira em tão absoluto estado de exaustão. À simples menção de qualquer movimento, todo o meu corpo era percorrido por violentos calafrios.

Não sei como consegui conciliar o sono.

Sei que acordei horas mais tarde sacudido por violentas batidas embaixo de minha cama!

Levantei de um pulo e corri a acender a luz. Não havia energia. De perto da porta do quarto pude ver uma massa negra escondida sob o móvel onde eu estivera deitado. Algo que se movia em meio às sombras debaixo da cama; arfando rapidamente como soi fazerem os animais.

Avançando ao longo da parede, com cuidado tateei no escuro em busca de minha arma escondida agora em uma das gavetas da escrivaninha. Mas novamente as ondas de calafrios e náuseas me assaltaram e mal pude sentir o toque do metal frio em meus dedos quando encontrei a pistola dentro da gaveta. Engatilhei-a e me voltei para onde se escondia a sombra demoníaca.

Nada mais se movia ali! Mas, ao mesmo tempo, soube que meu visitante noturno ainda estava comigo pois, a despeito de minha confusão mental, ou quiçá por conta dela, ouvi como que um pio de pássaro que vinha do alto, de sobre minha cabeça. O teto elevado estava imerso na mais profunda escuridão; as grossas cortinas da janela não permitiam que os raios da lua penetrassem no ambiente. Mas vi, encolhido a um canto próximo ao guarda-roupa, um vulto longilíneo que arfava descompassadamente. Quando fiz menção de apontar-lhe a arma, ele reagiu. Creio que arregalou os olhos malévolos em minha direção, pois, de repente, vi surgir no escuro duas chamas incandescentes e avermelhadas fitando-me com terrível fúria. Sem mais hesitar, e em meio a um hediondo ranger de dentes, disparei.

Ainda ouvi quando a coisa guinchou nas trevas atingida por minhas balas desesperadas, mas em seguida algo me puxou, de debaixo da cama, com garras de aço que me dilaceraram as carnes das pernas derrubando-me violentamente ao solo onde desfaleci imediatamente.

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